confissões passionais

I
ontem à noite me bateu uma puta melancolia e como tem dias que a melancolia vira uma tristeza fodida fui ler Manuel António Pina – hoje sei: escrevo/ contra tudo de que me lembro/ esta tarde parada, por exemplo – uma mirabolância dos sentidos acontecendo no lado de dentro. a coisa mais bonita nessa vida é se emocionar. fui dormir quase às 4h. acordei às 8h depois de sonhar que eu fazia xixi numa cachoeira e, ufa, - risos – deu tempo de correr até o banheiro. voltei a dormir como quem não tem o dia inteiro para viver e acordei de novo às 11h11, hora que todo dia uma saudade me acontece. e aconteceu de mais uma vez eu não te procurar, mas você ainda permanece como se esses buracos aqui fossem também sua casa. silêncio: coisa constante. 

II
uso sempre as mesmas palavras para me referir a você. encontrei aquele bilhete para são paulo dentro do livro da Ana C. lembra que lemos esse livro na cafeteria rodeadas de astromélias. lembra? você fez uma foto. clique. ficou bonita. ainda disfarço todo esse amor entre as palavras. a longa gengiva aparecendo. a gargalhada fugida da boca do estômago. o aparecimento repentino em ouro preto ao meio-dia vindo trazer novidades tardias. e meu livro que comprou em Portugal. eu sei, me encantei pelos portugueses. entrego também com atraso seu presente de aniversário. faço que sou dura. mas sinto uma saudade intratável. crueldade intensa com o coração. o amor tremula de mão em mão como o olho pula, involuntariamente. sobressalto-me. 

dois mil & quatorze

antes da sessão de reiki,
viviane lava as mãos com o
palmolive neutro, nenhum

ou muitos dedos quentes
ativam várias das minhas
memórias, é em forma de um

espasmo que me vem o dia
em que seu sorvete de pistache
congelou meu tempo

estratégias

há que se pensar em estratégias
para atravessar esses dias frios
andar sempre com as mãos dentro
dos bolsos, proteger os ouvidos com
alguma voz doce, observar a neblina
mudando de lugar, carregar poemas
de Portugal na cabeça, esperar que
você passe por esse caminho, que
me pergunte quem é Manuel António Pina? tremer
o coração na mão, deixar que certas
palavras escorreguem pela boca
espanto, batimento, língua, permanência

ela: na aula

que sejam as unhas
roídas a mostra ou
o pelo em excesso para
além das cosquinhas, há
algo ali que faz o cor-
ação subir até os dentes

urgência

dizem que se você ficar em silêncio,
dá para ouvir os pedidos de socorro.
pergunto-me se eles não vêm dessas 
casas que ainda mantêm as luzes acesas a essa hora.
culpam a história, mas sobretudo os astros
que dizem algo sobre saturno. mercúrio.
retorno. retrógrado. enfim, sei lá.
parece que, agora, faremos o trajeto de costas.
talvez seja para não perceberem que estamos
indo embora explorar outras áreas,
outros planetas, terras inabitadas,
florestas virgens. talvez. a poesia temerária se
dará a partir da manhã de amanhã. apreciaria,
portanto, sua companhia no frio.
falaríamos sobre a mentira que fomos
até hoje e em como nos transformaremos
em verdade. de como criaremos o sentido para isso.
16 graus agora. não sei bem o que quero
dizer. mas há silêncio. há tristeza. tem
também aquele cara que acredita que os
poemas são só de amor. e o pedido.

ic!

o gosto amargo
acontece logo
depois do soluço
todos sabem que
não é por nada, não
mas manuela exibe
manias terríveis
como a de tirar
certas palavras da
boca com o fio dental

letargia escolar

os alunos chegam em
bando na sala doze

decoraram os textos
sobretudo o silêncio

agora permanecem
estáticos diante do

professor que exibe
espamos e espirros e

uma enorme tristeza
sobre as pálpebras