terça

um cavalo me aparece em sonho. luz enorme, eu convoco. bravo, distante e intocável. sou eu, não você, meu amor. não se coloque aonde não te cabe, penso debochada. ela me cospe palavras reais. a poeta me arde os olhos. demoro a acreditar na vida, mas não em mim. ela duvida. quer me matar esse acúmulo no peito. digo que te amo, mas é mentira. mentira. não frequento mais nossas conversas porque elas não contêm a beleza de antes. falo sem ser ouvida. quando foi que comecei a reivindicar minha presença por meio da fala, meu deus? a partir de hoje, leio orides fontela e penso em você. o silêncio, a boca enorme.
estou no ônibus. banco alto. embaixo de mim, uma mulher lê um livro nesses trem que coloca o dedinho e passa a página. tantas coisas. percebo que é um romance romanção. começo a acompanhar a leitura, mas ela olha pela janela e passa a página. nem leu. nem eu. não deu tempo. ela olha pela janela e passa a página de novo. não deu tempo. pego as primeiras frases e crio o meu desfecho. a mulher não queria casar. pronto. estou voltando pra casa plena, mas nem tanto, depois de um almoço. já quase pra descer, vejo um cachorro arreganhado numa varanda - que delícia estar assim às quatro da tarde -, vejo uma ducha aberta com alguém sendo feliz e um moço aguando as planta. ai, a água. ai, o calor. e a única coisa que sinto é o suor escorrendo do meu sovaco. desejo atenta a noite. janela aberta. vento nos peito. que seja agradável.