girei o timer do fogão sem querer. que desespero. um aviso de que não tenho muito tempo. o tempo tá curto. capaz de eu nem dar conta. capaz de eu abandonar tudo pela metade. hoje eu preciso ir à feira. comer mamão deve ser bom nessas horas. hoje eu preciso ir no terreiro. deve ser lindo morrer no terreiro. hoje eu preciso dar uns passos. preciso arrumar a casa. terminar o livro prometido. estamos vivendo o tempo do pensamento acelerado. uma amiga querida cuida de mim nesse momento. ela me contou que voa em sonho. escala paredes sem proteção. pula de abismos. tudo em sonho. fiquei na paranoia & com inveja. queria sonhar que mergulhava. que baleias não me dão medo. que eu cruzava com uma e fazia carinho. que entrava no mar e ia nadando cada vez mais fundo ao lado de peixes maravilhosos. acabei sonhando que mandava mensagem agradecendo o cuidado. fiquei na dúvida se era sonho ou não. acordei e vi que foi sonho. mas tratei logo de realizá-lo. é sempre um choque quando o afeto chega. estou num processo bonito e cuidadoso de autoconhecimento, o que me deixa em grande comoção quase o tempo inteiro. e tem o céu e o mar que provocam sérios abalos no meu sistema nervoso. ando atenciosa à temperatura das pessoas também. gosto de gente quente, que quase queima com o olhar ou com o toque. gosto muito da sacudida que dá um calor entre as pernas. mas ando maluca por um calor entre os braços.
é o susto que interrompe o choro. quinze e quarenta e sete: a chuva começa. faço todo o ritual de proteção, mas esqueci para quem se reza nessas horas. recolho as roupas do varal. tiro também os eletrônicos da tomada. eu deveria me concentrar em cuidar da casa. eu deveria me concentrar mais. eu deveria. acompanho atenta o desmoronamento do tempo. bonito o que cai do céu. de graça. passo os olhos na vida. tive um sonho bonito outro dia. raríssimo eu me lembrar, porém o sonho se repetiu essa semana: eu dançava em volta de uma lagoa com muitas mulheres. arrepios. essa noite sonhei que alguém declamava um poema pra mim. ontem foi um dia bonito. falou-se muito em pássaros.
ontem à noitão vi estrelas além do tempo, que recomendo fortemente (habemus torrent). filme terminado, fiz mais algumas coisas pela casa e tomei aquele chá mara de baunilha, mel e não sei o quê, que a Monica me mandou. que amor. estava calma, mas nem tanto. pronta para dormir. mentira. queria, mas não conseguia. mais umas horinhas e foi. comecei a sonhar que estava indo para um planeta sapatônico. coisas do filme, mais ou menos. eu tava feliz até a parte em que abelhas que picavam somente orelhas invadiram onde eu tava. corre-corre danado. conclusão: não consegui ir embora. lágrimas. dormi pouco, pouquíssimo, essa noite. acordei com um amarelo desconhecido invadindo o quarto. aos poucos, ele ia se tornando intimo, porque tocava a pele. capaz do dia ser bom.
vinte e sete de novembro
dez é o número de vezes que a gaivota bateu as asas para alcançar o voo sublime. contei, questão de segundos. nesse tempo você pode estar acendendo seu camel na sala ou tamborilando os dedos na mesa da cozinha, enquanto espera ferver a água para o café. questão de detalhes. estou no meio de uma travessia entre o Rio e Paquetá e de repente tudo se interrompeu. tempo, essa barreira silenciosa. o rastro do seu vestido vermelho subindo pelas paredes.
vida moderna
mesmo com tantos buracos ainda me sinto presa às redes. vai só um braço ou vai só uma perna, nunca o corpo inteiro. nem rosto, só a boca que abre seguido do grito. tormento. mas, finalmente, estou aprendendo a usar o diafragma, o que é um alívio. expandir as laterais do corpo, criar espaços para o ar, para o que está por vir. suavidade: desejo. um dia me salvo
gana
sinto uma fome enorme
sou capaz de comer tudo
do teto ao chão
na escada, em cima da máquina de lavar,
na pia da cozinha, até na cama
como você
de ladinho numa manhã
que se esquenta de laranja
bem aos poucos
sou capaz de comer tudo
do teto ao chão
na escada, em cima da máquina de lavar,
na pia da cozinha, até na cama
como você
de ladinho numa manhã
que se esquenta de laranja
bem aos poucos
pra fechar, pra abrir
foi no banheiro
sob a água fria
que bati a última
siririca
de dois mil & dezesseis
sentada na sua boca
seu nome explodindo
entre meus pés
sob a água fria
que bati a última
siririca
de dois mil & dezesseis
sentada na sua boca
seu nome explodindo
entre meus pés
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